27.6.10

Saudades

"Mamãe serena como sempre
Conversa comigo, desabafa sua dor
Sua tristeza tem cheiro
Faz cinco anos, parece que foi ontem
Choro como um criança
Meu coração fica apertado
Lembro-me nitidamente de seus olhos azuis transparentes
E nós duas sentadas na cama conversando
Ela desabafando, me contando seus amores, suas alegrias,
Suas tristezas,
Seus vestidos de festa, suas paixões não correspondidas
Acordar na madrugada, a insônia da dor
E eu virada para o lado fingindo estar dormindo
Escutando cada palavra dela, chamando sua mãezinha para vir buscá-la
Sua dor foi imensa
As preocupações de deixar seus netos abandonados pela vida
E a certeza de um amanhã
Coragem de uma lutadora
Sua vida caminhava pelas filhas, pelos netos, pelo pai
Não havia mais carne, seu peso não chegava a 40 kilos
Mas suas pernas dirigiam-se todos os dias à mesa junto as filhas
Mesmo que o pão e o leite faltassem, a farinha existia
Mesmo que seu tão sonhado banquete não existisse no Natal
Na cama havia um champanhe
Nosso último vinho foi tomado
Ah, lembro-me tão bem que o vinho foi como seu sangue para mim
Não tinha mais forças para caminhar
Suas pernas estavam inutilizadas
Mas seu coração permanecia pulsante
Ela sentada na cama, eu no chão
Pediu um vinho, estava com vontade
Quatro dias antes bebemos e brindamos sua partida
Foi lindo. Foi triste, inesquecível
Semana sofrida, algo estava para acontecer
Ao seu pedido não fui trabalhar pela manhã
Ajudei a trocar-se, maquiar-se, vaidosa até seu último momento
Suas palavras sufocavas
Onze e meia chegamos ao hospital
Ficou para mais um dia daqueles
Rotineira filtração de sangue
Foi mamãe com cadeiras de rodas acenando
Ela me chamava
Não fui
Dor
Queria apenas mostrar sua filha aos novos médicos
Orgulho de mãe, desobediência de filha
Ao meio dia sua alma foi filtrada deste mundo
No seu caixão
Seu rosto estava tão bem, parecia que sorria
Foi como uma estrela para um lugar indefinido
Enfim ela foi em paz, para sua mãe, para seu marido...
Deixando a saudade de uma bela mulher
Deixando sua coragem, sua alegria,
Suas histórias, suas esperanças
E eu, a cama, o colchão, as madrugadas, os sonhos
Mãe
Mãezinha
Amiga
Companheira
Minha estrada"

Bárbara Paz ( actriz ).

Ps: Quem quiser ver ela própria a lê-lo pode ir aqui. Escreveu este poema com 17 anos (penso eu), dedicado à sua mãe que tinha falecido, quando tinha 17 anos. Quando li este poema mexeu comigo, porque quem perde alguém que ama(va) muito, é impossível ficar indiferente ao lê-lo. Deu-me uma vontade de ver os meus avós que só eu sei.
E infelizmente passei por um episódio de como ela diz e muito bem «Orgulho de mãe, desobediência de filha», neste caso de avó. E é uma coisa simples, mas que chega a doer um pouco. Mas são coisas da vida. Toda a gente tem um principio e um fim, e há que acreditar que o fim é um início de uma vida melhor.
Avós eu amarei-vos de sempre & para sempre (L)
Ps1: Um aparte mesmo do post, é que hoje faz precisamente dois anos e oito meses que comecei a falar com a minha melhor amiga. Só me resta agradecer-lhe por todos os momentos que me proporcionou até hoje. Nunca, mas nunca, vou esquecer prometo. E muitos mais momentos iram vir, eu sei. E se são contigo, são os melhores que existe. Eu amo-te melhor amiga, muito. Obrigada mais uma vez por tudo.
Melhor amiga eu amarei-te não de sempre mas para sempre (L)

Ps2: Na entrevista da Bárbara Paz na Alta Definição:
Daniel - És mais tu quando escreves?
Bárbara P. - Se sou mais eu quando escrevo? Só sou eu quando escrevo, o resto são máscaras que as pessoas usam para sobreviver.

6 comentários:

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